quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A VOZ DO POVO

Ernane Francisco Silva
Morador no K-11 de 1946 a 1972
Assessor Técnico na SEMTESP

No início era apenas um caminho. Carroças e cavalos o dividiam com imensa satisfação, no seu cotidiano de passos lentos e contínuos, no afã, os cavalos, do cumprimento das suas obrigações de animal: levar hortaliças pra feira, trazer, na volta, as compras da família. Tudo era muito simples. O ar primaveril e oxigenado doía as narinas de tão puro. Aí, alguém descobriu que concentrando os cavalos todos em um bloco chamado motor seria possível fazer-se tudo de maneira mais rápida e em maior volume. Os caminhos transformaram-se em ruas; o chão virou paralelepípedos. A tranqüilidade acabou. As novas máquinas eram bonitas mas barulhentas e muito velozes, nos seus 30 Km por hora. Um perigo para as pessoas nas ruas.

Os mais velhos reclamavam do que seria um absurdo trocar as carroças por essas coisas barulhentas e perigosas e com aquele cheiro horrível de gasolina. Agora as coisas aconteciam com maior rapidez. O paralelepípedo logo virou asfalto. As máquinas se aprimoraram. A velocidade aumentou. A mais lenta delas podia atingir os 120 km por hora. Seria necessário fazer alguma coisa para deter essa loucura. Pessoas já não podiam andar pelas ruas. As calçadas esburacadas ou inexistentes não ofereciam condições ao tráfego de pessoas, agora pedestres. Estavam literalmente abandonadas à própria sorte, vítimas de sua própria invenção, ao sabor do “progresso”.

Restava impor regras aos veículos limitando-lhes a velocidade, criando alternativas de movimentação e circulação, e surgiram as faixas simples, duplas, continuas, tracejadas, de pedestres, placas verticais, fixas, suspensas, sinais e ......... semáforos.
Semáforos para controlar o fluxo de veículos, geralmente em cruzamento de vias. Porém os mais antigos ainda continuavam a reclamar, agora com mais razão. Tinham saudades de outrora, quando a paz era a tônica no bairro. Seria mesmo preciso um semáforo naquele cruzamento? O técnico dizia que não: não havia volume de tráfego suficiente; O político dizia que sim: “as pessoas estão correndo risco de vida; vai esperar morrer alguém para colocar o semáforo? “A Voz do Povo é a Voz de Deus, que seja instalado o semáforo” , determinou o político principal. E assim foi feito.

Hoje o cruzamento semaforizado divide opiniões. Os renitentes defensores de sua existência calaram-se. Os prejudicados nas extensas filas de engarrafamentos bradam:”Abaixo o sinal!!...” Os pedestres aliviam: “Pelo menos podemos atravessar a rua”. O político sumiu, agora o problema é técnico, mas tem solução, sempre há solução, afinal a Voz do Povo é a Voz de Deus, lembram...

Um comentário:

Edy Ribey disse...

O trabalho do dia a dia inspirando corações...